Sermão de Lutero sobre as duas espécies de justiça do ano de 1519.
Por muito tempo Lutero esteve perturbado diante da expressão “Justiça de Deus” presente principalmente nos Salmos e na epístola de Paulo aos Romanos.
Depois de muita reflexão e estudo, Lutero compreendeu que a justiça de Deus se revela no Evangelho, como está escrito em Romanos 1.17, “por que a justiça de Deus se revela no evangelho como está escrito: ‘o justo viverá por fé’”.
A partir daí, Lutero pôde compreender que a justiça de Deus é oferecida, e concedida, a todo aquele que crê em Cristo. Portanto, o cristão é justo diante de Deus somente pela fé em Cristo, ou seja: por meio da fé, (e do batismo) em Cristo, somos revestidos pela sua justiça.
Essa descoberta se tornou a chave para a compreensão das Escrituras, pois permitiu que Lutero e nós pudéssemos hoje, discernir entre a Justiça passiva (que não podemos agir, ou contribuir para recebê-la pois é) recebida de Cristo pela fé; e a justiça ativa, que é a justiça do mundo que requer o cumprimento das leis para que sejamos considerados justos pelas pessoas que estão ao nosso redor, e pela sociedade (e Estado) que fazemos parte como cidadãos.
Lutero explica primeiramente que o cristão possui duas justiças, definindo a justiça passiva, que Cristo nos dá dizendo: “esta é uma justiça que vêm de fora”, ou seja: esta justiça não pertence a nossa natureza humana, mas ela vem (é imputada, colocada) a nós através de Cristo.
Cristo nos diz: “eu sou a ressurreição e a vida: quem crê em mim, não morrerá eternamente” (João 11.25). E justamente esta ressurreição e vida que temos através desta justiça, que Deus nos dá.
Desta maneira, podemos dizer “tudo o que é de Cristo é meu: sua vitória, seus feitos, o que disse e sofreu, sua morte – como se eu próprio tivesse vencido, feito, dito, sofrido tais coisas e tivesse sido morto (...) São nossas portanto, todas as coisas que Cristo tem, que foram concedidas gratuitamente a nós homens indignos, por pura misericórdia, quando na verdade teríamos merecido ira, condenação, bem como o inferno (...) Pela fé, portanto, a justiça de Cristo torna-se nossa justiça...” (Lutero p.67).
“Essa justiça alheia (que não pertence naturalmente a nós), portanto, infundida em nós sem atos nossos, somente pela graça, (...) é oposta ao (nosso) pecado original, o qual temos desde o nosso nascimento”, portanto, a partir desta justiça, passamos a agir no mundo conforme a segunda justiça, que é a justiça do mundo obra, e fruto da primeira justiça (que provém de Cristo).
Assim, Lutero nos diz que vivemos a nossa vida no mundo, e nos relacionamos com as pessoas ao nosso redor à luz da justiça que temos em Cristo, e refletindo a obra de Cristo na nossa vida diária: “que cada cristão se torne servo um do outro, e se o cristão possui alguma sabedoria ou justiça, ou poder, através do que ele poderia superar os outros (o próximo), este não deveria tomar isto como seu, mas atribuir tudo o que tem a Deus”.
Fonte:
LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo: Obras selecionadas de momentos decisivos da reforma. Porto Alegre: Concórdia; São Leopoldo: Sinodal, 1984.